Clóvis Bulcão

Em busca do passado perdido

3 / agosto / 2015

Os Guinle no Uruguai – Parte I

Pedra Aceguá

Ao longo do período de pesquisa de Os Guinle, estive duas vezes no Uruguai garimpando informações sobre o passado de dois personagens do livro, Jean Arnauld Guinle e Cândido Gaffrée. Arnauld Guinle, que morou em Montevidéu, foi o patriarca da dinastia, tendo chegado ao Brasil na primeira metade dos anos 1800. Já Cândido Gaffrée, nascido em Bagé (RS), foi o sócio de Eduardo Palassim Guinle, filho de Jean Arnauld. Juntos, Cândido e Eduardo deram início à fortuna da família.

Minha primeira viagem ao Uruguai foi quase casual, pois meu destino era a cidade natal de Cândido, que, embora não fosse da família, é, a meu ver, o personagem mais talentoso da saga Guinle. Encontrar seus parentes era importante para elucidar algumas questões, como sua formação, sua relação com os Guinle e também com os Gaffrée, mas, principalmente, descobrir a origem de seu capital.

Bagé fica no sudoeste do Rio Grande do Sul e a viagem de ônibus a partir de Porto Alegre dura cinco horas. Mais trinta minutos e chega-se ao Uruguai. Apesar de ter apenas 100 mil habitantes, Bagé possui um belo patrimônio arquitetônico: muitos casarões, museus e uma igreja matriz com um painel do genial Glauco Rodrigues.

Os Gaffrée foram amáveis e contaram suas versões sobre a trajetória do parente mais bem-sucedido. Porém, mesmo com a sua colaboração, não foi possível precisar em que condições financeiras Cândido saiu de sua terra para tentar a vida no Rio de Janeiro — onde, muito depois, ficaria milionário ao lado de Eduardo Palassim Guinle.

Segundo a informação mais antiga que se tem, Cândido teria se desentendido com o pai e ganhado de uma escrava o dinheiro com que deu a partida em seus empreendimentos. Mas, consultando livros sobre a história local em uma das bibliotecas da cidade, descobri que aos dezessete anos ele já havia sido um colaborador essencial para a construção da igreja de São Sebastião.

Como poderia um rapaz de apenas dezessete anos ter ficado rico tão rapidamente, já que sua família não tinha muitas posses? Cândido se mudou para o Rio de Janeiro após a Guerra do Paraguai, em 1870. Durante o conflito, o governo brasileiro instalou uma pagadoria no país vizinho. Diversas fontes sobre os esforços de guerra relatam que as compras efetuadas pelo Exército brasileiro eram uma verdadeira farra, com fortes evidências de que um dos negócios mais lucrativos do período era o contrabando.

Após minhas leituras na biblioteca, resolvi contratar um táxi e dar um pulo até Aceguá, cidade fronteiriça minúscula que possui ruas no Brasil e ruas no Uruguai, sem marco divisório nem controle de documentos. O taxista me perguntou algumas vezes: “Percebes a diferença entre o Uruguai e o Brasil?” “Claro que não”, eu respondia. Era tudo igual, até mesmo pela movimentação ostensiva de contrabando em ruas tanto brasileiras quanto uruguaias. Eram motos levando bujões de gás, carros velhos abarrotados de mercadorias e gente andando com quantidades atípicas de produtos variados nas mãos e nas sacolas.

O nível do contrabando é pobre, não deve ser uma atividade muito lucrativa. No entanto, não tenho nenhuma dúvida de que nem sempre foi assim, principalmente durante os seis anos de guerra na região. Acredito que, muito ao contrário, o contrabando deve ter sido de alto nível, com compras e vendas de gado e produtos agrícolas. Teria Cândido se beneficiado dessa atividade?

Saí de Bagé com uma grande convicção: tenho de voltar lá! Pela simpatia das pessoas, pela beleza natural, pelos haras, pela relevância de seu patrimônio arquitetônico. Também voltei para o Rio com uma grande decepção: não ter conseguido desvendar de forma definitiva o passado financeiro de Cândido, um dos mais brilhantes bajeenses de todos os tempos, por sua visão empresarial e por sua astúcia em antever grandes negócios.

Sobre a minha segunda viagem ao Uruguai, contarei detalhes na próxima coluna.

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