Bastidores

O mundo cão de Nic Pizzolatto

20 / julho / 2015

Por Pablo Rebello*

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A primeira temporada de True Detective ia pela metade quando descobri o universo criado por Nic Pizzolatto. Não esbarrei com a série por acaso. Fui atraído até ela por seus laços com uma obra obscura da literatura: O Rei de Amarelo, de Robert W. Chambers, personagem que também aparece em diversos contos de H. P. Lovecraft, de quem sou fã. A possibilidade de assistir a influências lovecraftianas na televisão foi o que me atraiu a princípio, mas o texto cru e filosófico de Pizzolatto acabou me segurando. Por isso fiquei muito interessado quando descobri que a Intrínseca lançaria Galveston, o primeiro romance do autor.

Obviamente, a linguagem televisiva não poderia ser mais diferente da literária. A transposição de uma mídia para outra muitas vezes não é satisfatória. Além disso, alguns autores se dão melhor na página escrita enquanto outros brilham por trás das câmeras. Embora a longa investigação de Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Marty Hart (Woody Harrelson) se assemelhasse na apresentação a um romance policial, eu ainda tinha dúvidas se Pizzolatto seria capaz de repetir o truque na mídia impressa. No entanto, a leitura do primeiro capítulo de Galveston sanou esse problema. E também me pegou de jeito, levando-me para outro passeio pelo submundo americano.

Galveston - CAPA E LOMBADA.inddTodos os elementos que me impressionaram no seriado estão lá. As vidas despedaçadas dos protagonistas, o rolo compressor da rotina esmagando os dias em busca de um sentido, a ausência de saídas fáceis e a violência desmedida para alcançar objetivos imediatos. Até mesmo os bonequinhos metálicos feitos com latas vazias de Lone Stars estão em Galveston. Enfim, não faltam detalhes para agradar tanto aos fãs da série como a quem nunca assistiu ao programa. Tudo pontilhado por uma narrativa crua e visceral, com uma pegada noir preocupada em não perder a verossimilhança com a realidade.
À primeira vista, Roy Cody parece ser só mais um matador de aluguel durão, sem nada a perder, como tantos outros que encontramos em thrillers policiais. Uma consulta ao médico confirma que ele não está nada bem: câncer espalha-se por seus pulmões. Roy Cody é um homem marcado para morrer. E não é só a doença que ameaça levá-lo. Seu chefe, Stan Pitko, ordena que ele faça um serviço desarmado que logo se revela uma armadilha mortal.

link-externoOuça a playlist de Galveston, por Marcelo Costa

Como um bom matador de aluguel, Roy consegue escapar das garras dos inimigos e despachá-los para o além em um confronto breve e violento. Quando os sons pneumáticos dos revólveres se calam e o cheiro de pólvora se dissipa, ele se vê em uma casa repleta de cadáveres e sangue espalhado pelo chão. Pior: ele não está sozinho. Uma garota de programa sobreviveu à chacina e viu o seu rosto. Sem estômago para eliminar a última testemunha, Roy decide levá-la em sua fuga de Nova Orleans para Galveston, no Texas. E é a partir daí que a história se desenvolve de verdade.

Com o cenário montado, Pizzolatto dedica-se a nos apresentar os infortúnios de Roy e de sua nova cúmplice, Raquel “Rocky” Arceneaux. O relacionamento conflituoso do matador de aluguel com a prostituta foge do convencional, revelando a riqueza dos personagens que vivem às margens da sociedade, perdidos em hotéis de beira de estrada e que alimentam sonhos pueris de um amanhã melhor. Roy não aceita as mentiras de Rocky, que, por sua vez, aproveita-se da proteção oferecida pelo matador para cometer seus próprios pecados.

O livro é marcado pela tentativa dos dois personagens de escapar do passado e dar um novo rumo para suas vidas. No entanto, por mais que tentem, por mais que se esforcem, ambos conhecem bem demais a realidade para se enganarem por muito tempo. Galveston é um romance de partir corações, escrito com maestria e frieza por um autor que merece o destaque que tem. Não espere por finais felizes. Ilusões não sobrevivem debaixo do sol abrasador do Texas. Só as memórias amargas de tudo que foi e do que poderia ter sido resistem para contar a história até o final.

link-externoLeia um trecho de Galveston

Cena de "True Detective"

Cena de “True Detective”

 

Pablo Rebello é assistente de Comunicação na Intrínseca e escritor nas horas vagas. Tem histórias publicadas nas coletâneas Contos da Confraria (Ed. Bookmakers) e Dragões (Ed. Draco) e é autor do e-book Deserto dos desejos (disponível na Amazon).

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