Filipe Vilicic

Como as redes sociais estão canibalizando a internet

16 / julho / 2015

E onde o Instagram se situa nesse novo mundo virtual

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Mark Zuckerberg, o poderoso do Facebook, que quer comer todo o tráfego de dados on-line com sua rede social

Sim, Instagram, Twitter e, sobretudo (e majoritariamente), Facebook estão consumindo a internet tal qual a conhecemos. E isso é perigosíssimo.

Hoje, um quarto de todo o tráfego da rede mundial, a www, é dominado pelo Facebook. Se somadas apenas as dez principais redes sociais, entre elas o Instagram, quase 40% dos dados criados ou que rondam pela web surgem dessas mídias. Em 2014, pela primeira vez, esses sites superaram as páginas de buscas, como o google.com, como principal meio de tráfego pela internet. Os números apontam que cada vez mais a experiência virtual tem se resumido — ao menos para a maioria dos mais de 3 bilhões de indivíduos on-line (quase metade da população global) — a acessar o Facebook e o Google. Com isso, vê-se uma derrocada da importância de outros sites, como as homepages de portais de notícias e os blogs, que compõem a concorrência.

O físico inglês Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web (o www, ou, em resumo, a internet contemporânea), admitiu a ameaça que esse cenário pode representar ao desafiar a maior das redes sociais: “Não ouse fazer com que celulares só acessem o facebook.com.” A que ele se referia? Dotado de tamanho poder de controle do universo digital, o Facebook cogita hoje um plano nomeado como internet.org. Na cortina estabelecida pelo marketing, Mark Zuckerberg, o mandachuva da empresa, apresenta o projeto com a postura de bom-mocismo típica do ambiente do Vale do Silício — no qual todos os garotos candidatos a empreendedores, assim como os que já se consolidaram, imaginam que mudarão o mundo com cada app que lançam. Em seu discurso, o que a empresa quer com o projeto é oferecer acesso gratuito à rede para populações pobres. Na prática, o que se pretende é garantir o almoço grátis apenas para quem entra no Facebook. Ou seja, o público que se pretende atingir e alguns parceiros terão direito a entrar no Facebook. Para o resto, tem de pagar: pelo wi-fi ou pelo 3G/4G. Qual é o problema?

Imagine que é dada a oportunidade a uma família brasileira com renda mensal inferior a 800 reais de entrar no Facebook de graça… Só que para entrar em outros sites tem de pagar! O que pode ocorrer: as pessoas começam a entrar só no Facebook, a explorá-lo, sem ver o restante do mundo virtual, composto por 970 milhões de sites. É como se uma parte da população começasse a ver apenas um canal de TV. Melhor, a só poder ver esse canal, por não ter verba para bancar o restante da experiência. Esse poder do Facebook aumentou quando ele adquiriu, por 1 bilhão de dólares, o Instagram, em 2012. Por quê? Por, assim, estabelecer que gostaria de dominar o que as pessoas sabem do mundo — os posts — e também o que enxergam — as fotos e os vídeos do Instagram. Mais: com a compra, provou que tem força para adquirir qualquer candidato a concorrente que apareça no mercado e continuar a reinar absoluto entre as redes sociais por meio das quais nos comunicamos.

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Zuckerberg e a presidente Dilma Rousseff: tentativa de parceria para oferecer o Facebook (só ele) de graça para populações pobres

A ideia vai contra um conceito chamado “neutralidade da rede”, pelo qual, numa brevíssima simplificação, se estabelece que todos os endereços.com têm de competir de igual para igual: se a internet é rápida, os sites, de maneira equivalente, ficam velozes; se é lerda, ficam vagarosos; se está sem acesso, nada se vê. No Brasil, que tem uma legislação própria para garantir a “neutralidade” (o Marco Civil), o internet.org do Facebook seria ilegal. Por isso, até a tentativa de estabelecê-lo, em parceria com o governo federal, continua fadada ao fracasso. Ou assim se espera.

Fornecer apenas um ponto de vista (ou poucos pontos) aos que acessam a internet pode dar poder demasiado a uma empresa (ou a um pequeno conjunto delas). Explico. Se a internet começa a se resumir ao Facebook e a outras redes sociais e sites de buscas, essas companhias podem impor suas visões de mundo. Como? Atualmente, o Facebook conta com um algoritmo que organiza a timeline para que nela apareça o que a companhia julga como relevante para usuários. Esse algoritmo já foi manipulado, em várias situações, para realizar testes, muitas vezes sem o consentimento das cobaias. Num deles, o Facebook fez com que notícias mais alegres aparecessem para uns, enquanto as mais depressivas apareciam para outros. O que se queria provar? Que, ao ver posts “para cima”, pessoas ficam felizes; ao ver posts “para baixo”, caminham para a tristeza. Isso foi feito sem pedir licença. Ou seja, manipularam as emoções das pessoas sem que elas fossem avisadas. E se for feito o mesmo para influenciar alguém a votar em certo candidato à presidência, e não em outro? Ou a simpatizar com uma ideologia, e não com outra? Está aí o perigo.

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Para o físico DeGrasse Tyson, a internet dos anos 90 era um amontado de livros jogados no chão, sem ordem. Hoje, a rede é ordeira, mas dominada por poucos.

Numa conversa recente com o popular físico Neil deGrasse Tyson (que virou um famoso meme na rede; o da imagem acima), ele me disse: “A internet dos anos 1990 era como uma biblioteca com todo o conhecimento do mundo, onde os livros estavam jogados no chão e eram difíceis de serem encontrados.” Como é a de agora? Temos o Google e o Facebook para organizar esse caos. As vantagens são óbvias e celebradas. Então, destaco a maior desvantagem: o mundo virtual pode começar a se resumir ao que a primeira página de buscas do Google (raramente se passa para a segunda) e a timeline do Facebook mostram. Em efeito contínuo, diminui-se a diversidade de opiniões, de vontades, de ambições e da vida on-line. Em consequência, também do nosso mundo off-line.

David Baker, que foi redator-chefe da Wired UK — revista e site que é uma das principais referências mundiais na cobertura do universo tecnológico —, uma vez resumiu assim esse cenário, num almoço que tive com ele: “Isso pode transformar o planeta em um enorme Vale do Silício, uma Califórnia para todos.” Em outras palavras, às favas com a diversidade cultural! Europeus, asiáticos, brasileiros, que em pouco se assemelham à identidade do típico habitante do Vale — vinte e quatro horas por dia dedicado à profissão, em busca de criar startups bilionárias, avesso ao conceito de Estado —, começariam a se comportar e a falar como o povo da indústria digital. O mundo pertenceria ao Facebook, ao Instagram, ao Google… E paramos mais ou menos por aí. É o que queremos?

Nota: este tema, entre tantos outros, despertou interesse no público de uma palestra que dei ontem, dia 15, no auditório da sede da Editora Abril, em São Paulo, sobre o livro O clique de 1 bilhão de dólares. A conversa completa pode ser assistida aqui.

link-externoLeia também a coluna anterior de Filipe Vilicic: Três anos de cerco ao Instagram

Conheça O clique de 1 bilhão de dólares, livro de Filipe Vilicic

Comentários

3 Respostas para “Como as redes sociais estão canibalizando a internet

  1. Estou aqui pra aprender cada vez mais … Impressionada com a qualidade dos textos …

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