Pedro Gabriel

[A revoada da imaginação] PARTE II

30 / junho / 2015

OS PARDAIS DA RUA DE TRÁS

30.06

Eu só parava de pedalar perto de um imenso contêiner vermelho, onde os materiais de construção da casa do meu futuro vizinho eram guardados. Eu também estava em construção. Subia, com a ajuda da ousadia que minha pouca idade permitia, até o topo daquele recipiente rubro-enferrujado e, dali, tinha visão privilegiada para a revoada de pássaros migratórios. Era um verdadeiro santuário que só eu conhecia. Será que eles também seguem um destino? É estranho explicar, mas é como se no céu também houvesse avenidas, placas de sinalização, guardas de trânsito, lei seca… Mais tarde, ao lembrar desse dia, anotei de forma espontânea em um caderninho: Os pardais da rua de trás. Daria um belo nome para uma coletânea com os melhores poemas sobre liberdade.

A liberdade é valiosa.

A índia, recentemente, libertou a liberdade. A corte de Nova Délhi decidiu que os pássaros têm direito a viver com dignidade e voar livremente pelo céu que já abençoou Gandhi. As palavras do juiz Manmohan Singh talvez sejam até mais bonitas que a própria decisão: “tenho claro em minha mente que todos os pássaros têm direitos fundamentais de voar nos céus e que os seres humanos não têm o direito de mantê-los presos em gaiolas para satisfazer os seus propósitos egoístas ou o que quer que seja.” Uma notícia que fez meu coração vibrar de esperança. Viva a Índia! Agora é só torcer para que algumas decisões também sejam tomadas para a melhora das condições de vida dos humanos e que a justiça não vire as costas para as castas.

Hoje sei que essa realidade está mudada, mas até o comecinho dos anos 1990 as crianças tinham o hábito cruel de caçar ou engaiolar passarinhos. Existia um prazer macabro em privá-los de liberdade. O desconhecido era nossa aventura. Andávamos com um estilingue no bolso da calça, a camisa amarrada na cintura e toda a marra possível estampada num rosto pueril de quem ainda não completou sete anos idade. Diferente das pesquisas darwinianas, a gente não capturava as aves para fins científicos ou para redigir estudos sérios sobre a evolução das espécies. Sequer sabíamos escrever direito. Armávamos armadilhas, fazíamos arapucas improvisadas. Prendíamos os pássaros porque invejávamos a capacidade que eles têm de voar. Eles podiam ser o super-homem e nós, homens, não. Éramos covardes. Ainda somos. Mas a vida tratou de nos castigar sutilmente. Passamos a vida inteira comendo alpiste industrial em uma gaiola invisível que nós mesmos criamos. Para a alegria dos pardais, a modernidade matou o estilingue. Para a tristeza dos pais, as crianças agora caçam zumbis sem sair de casa.

Um dia quero assistir de novo a uma revoada de cima daquele contêiner vermelho. Mas, no lugar dos pássaros, quero ver a nossa infância bater asas até pousar nas mãos de Darwin para provar cientificamente que a imaginação é a única espécie que já nasceu em extensão.

Comentários

4 Respostas para “[A revoada da imaginação] PARTE II

  1. Antônio, que texto incrível! Adoro a sua poesia desde não havia nenhum livro seu publicado! Seu estilo de escrita é demais! Parabéns!

  2. Às vezes perdemos a direção, mas não a imaginação.

  3. Que coisa gostosa de ler, meu Deus! Como consegue? <3 <3 <3

  4. c9 muito difedcil entender a mente hunama, muito difedcil aceitar o sofrimento dos mais fracos, se3o situae7f5es com as quais nos deparamos ao longo da vida que nos fazem questionar a tudo e a todos, e principalmente, a agradecer por sermos essas pessoas que ainda nos compadecemos!Triste seria se ache1ssemos tudo isso natural, aed seredamos equiparados aos que, Deus sabe pq, cometem tamanhas atrocidades.

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