Nazificação versus nacionalização

Por Miguel Sanches Neto

5 / maio / 2015

O romancista trata da especificidade de seu livro, que só poderia transcorrer num país que, desde sua fundação, manteve uma visão escravagista do negro.

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Silenciamento

Em vários momentos da pesquisa para o romance, eu me deparava com uma bibliografia consistente sobre o processo de perseguição aos alemães por parte de Getulio Vargas. Este é o grande tema quando se fala da Segunda Guerra Mundial nas comunidades estrangeiras do sul do Brasil.

Comecei a perceber o que poderíamos chamar de um apagamento do namoro do Brasil com a ideologia nazista. Muitas pessoas eram declaradamente nazistas – não só alemães, havia também nazistoides de outras etnias. Mas a propaganda e as ações desse grupo foram historicamente minimizadas.

Ao buscar análises sobre o período, encontramos quase que apenas material sobre o trauma sofrido por conta do processo de nacionalização imposto por Getulio. Não se fala das práticas nazistas, mas do sofrimento de quem era estrangeiro depois que o Brasil se alinhou aos Estados Unidos. Os documentos que sobraram de propaganda nazista não foram traduzidos para o português. A maioria foi destruída. Um exemplo: não se tem acesso em português à literatura de divulgação do nacional-socialismo produzida pela poeta Maria Kahle (1891-1975), encarregada de fazer a propaganda nazista nas colônias brasileiras.

Discurso racista

Entendendo os anos 1930, quando parte de nossa elite intelectual defendia o branqueamento da raça, numa crença na eugenia que Machado de Assis havia ridicularizado em O alienista, é possível compreender como um discurso racista está arraigado em nossa identidade. Este discurso foi muito forte antes da revelação dos horrores nazistas e continua presente, de forma subliminar, em muitas defesas de um outro Brasil.

A segunda pátria se propõe a provocar, mesmo que de forma neurótica, um desvelamento da extensão brasileira do nazismo, algo exagerado no final de Segunda Guerra Mundial pela polícia do Estado Novo, e depois sistematicamente apagado da produção brasileira. Uma exceção é o filme Aleluia, Gretchen (1976), de Silvio Back, que escancara esta ligação.

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Nazistas e integralistas

Para restaurar como pesadelo aquele momento de uma possível dominação názi, voltei-me ao tom alarmista da polícia de Getulio Vargas no período de nacionalização. O Brasil nazificado, em meu romance, é instalado a partir de uma união de integralistas, fascistas e nazistas, que chegam ao centro do poder, cooptando simpatizantes das principais etnias brancas.

O motor oculto

Ao mexer com o tema, sabia que o assunto era tabu, com pouca produção reflexiva fora daquela nascida dos laços de sangue. Estuda-se bastante a “nacionalização”, quando se impôs o português aos núcleos alemães e italianos que falavam apenas as suas línguas europeias. Era preciso cavar sob esta questão e identificar o motor oculto de uma ideologia.

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O outro mais vulnerável

A primeira questão que me coloquei ao começar a imaginar esta história foi: quem seria perseguido aqui? E os próprios livros sobre o tema me deram a resposta: os negros e os mestiços em geral. Mas principalmente os negros. A libertação dos escravos era ainda coisa recente. Somava-se então à ideologia exótica do nazismo uma visão escravocrata da sociedade brasileira. A mistura desses dois preconceitos geraria uma perseguição aos descendentes de africanos. Eles não seriam mortos, como aconteceu com os judeus na Europa, mas serviriam como mão de obra gratuita em fazendas e fábricas. É esta a minha percepção de ficcionista sobre a possível nazificação do sul do Brasil.

Romance.br

Este é, portanto, um romance que só poderia transcorrer no Brasil, pois aqui a questão racial passa pela discriminação principalmente dos grupos africanos e indígenas. O romance explora ficcionalmente o tratamento que negros e mulatos teriam no Brasil se as Leis de Nuremberg prosperassem entre nós. Havia no país – e ainda há mas de forma mais velada – uma estrutura mental que via o negro do ponto de vista dos senhores de escravos.

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Miguel Sanches Neto nasceu em Bela Vista do Paraíso, no interior do Paraná. É autor de seis romances, além de livros infanto-juvenis, contos e ensaios. Seu romance A Segunda Pátria foi publicado em 2015 pela Intrínseca.

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Comentários

Uma resposta para “Nazificação versus nacionalização

  1. Livro atraente, embora completamente inverossímel.

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