[O PASSADO É UMA CIDADE ESQUECIDA]

Por Pedro Gabriel

31 / março / 2015

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O passado é uma cidade esquecida e, dentro dela, existe uma casa isolada. E, dentro dessa casa isolada, nossas lembranças ficam soltas, perambulando em cada cômodo para lá e para cá. São inquilinas que habitam em nossos incômodos e não pagam aluguel há um tempo. O remorso de não ter vivido cada uma delas intensamente já amortiza qualquer dívida. O IPTU das mais belas lembranças está quitado até dois mil e sempre. 

Dizem que a lembrança mais bonita se chama saudade. Concordo. É a mais difícil de ser alcançada, a menos fácil de ser puxada da memória. Ela fica no topo de um monte com um monte de ideais confusas em sua volta, tentando impedir que o nosso pensamento vá a seu encontro. Ideias confusas sempre prejudicaram o avanço da humanidade. 

Os habitantes, silenciosos e discretos, só aparecem quando alguém, lá no futuro, sente saudade. Quando alguém se lembra de lembrar, a cidade ganha novas cores, a cidade se alegra. Todos vão para a praça principal rememorar, com faixas gigantescas. Eis algumas: Recordar é viver! , Viva a liberdade de memorização!, ou ainda Fora, esquecimento! Um movimento quase político! Nos livros de história das próximas gerações, esse dia será lembrado como O Dia do Lembro. Se é para a o bem de todos e a felicidade geral da nação, diga ao povo que lembro.

A gente tem essa mania de achar que tempo bom é o tempo que ficou para trás. Como se não conseguíssemos carrega-lo o tempo todo conosco. O passado está sempre presente dentro de nós. A meu lado, desolado, o aldeão mais antigo desabafa: “Ninguém mais se lembra de nós. Somos memórias para pessoas que não se preocupam mais em querer lembrar!”

Ele tem razão. A modernidade guarda a memória em pendrives, HD’s externos, nuvens. A modernidade se esquece que temos a capacidade biológica de armazenar as lembranças mais bonitas em nós. A modernidade não quer perder tempo com histórias memoráveis. Viva a nossa futilidade cognitiva!

O passado é uma cidade esquecida e, dentro dela, existe uma casa isolada. E, dentro dessa casa isolada, a nossa lembrança mais antiga – a anfitriã de todas as outras lembranças – recepciona cada novo morador com palavras saudosistas: “Seja bem-vindo. Por favor, não se esqueça.”

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Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

9 Respostas para “[O PASSADO É UMA CIDADE ESQUECIDA]

  1. Como sempre, os textos desse cara são mais que perfeitos, cada palavra me fez um bem danado, é por isso que aguardo ansioso pelas terças. Sentir a poesia desse texto penetrar minha alma, me fez lembrar de muitas coisas. Então posso dizer que me lembrei de lembrar, rsrs! 🙂

  2. A saudade dói, mas ninguém quer se livrar dela. Ela é uma espécie de porta-memória dos nossos momentos felizes.

  3. Mais um belo texto desse autor incrível!! Palavras e imagens que nos tomam, convidam e conduzem a revisitar as casas que fomos. Parabéns!!

  4. Cada dia amo mais esse escritor tão simples e de uma capacidade impar de falar coisas lindas,beijos com admiração.Pedro.

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