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Loucura e horror às cegas

19 / março / 2015

Por Alexandre Sayd*

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O mundo acabou. Ou pelo menos o mundo que nós conhecemos. Em uma casa abandonada todas as janelas estão tapadas por tábuas ou cobertores, impedindo que se olhe para fora — ou para dentro. Há manchas sinistras nas paredes e mantimentos cuidadosamente armazenados no porão. E também Malorie, com suas duas crianças de quatro anos. Os únicos habitantes remanescentes daquela casa semiabandonada.

Há pouco mais de quatro anos Malorie vivia com a irmã no estado do Michigan e descobriu que estava grávida — então tudo começou a enlouquecer e a ruir. No começo era só mais um boato sobre um incidente na Rússia e apenas aqueles realmente paranoicos prestaram atenção. Os incidentes se tornaram frequentes e depois próximos demais, até que ficou impossível ignorá-los. Alguma coisa estava fazendo as pessoas surtarem e se suicidarem. Alguma coisa que as pessoas viam. O que era, ninguém sabia dizer. Ninguém ainda vivo. Ninguém ainda são. A teoria mais aceita é a de que existiam criaturas à solta causando isso, mas não havia quem pudesse confirmar.

Mais por precaução do que por realmente acreditarem nas histórias, as irmãs se trancaram em casa e cobriram as janelas. Mas olhar para o que te ameaça é um instinto, um impulso humano muito difícil de controlar, e a irmã de Malorie não resistiu por muitos dias. Quando a encontrou morta no banheiro, Malorie abandonou seu ceticismo e partiu do antigo lar.

CAPA_BirdBox3.inddCaixa de pássaros conta uma história pós-apocalíptica de terror psicológico e sobrenatural. Com um estilo que lembra o de Stephen King, o livro se destaca pela premissa original e pela tensão constante de sua narrativa, que coloca os leitores na pele de personagens que precisam se virar às cegas em um ambiente hostil e cheio de ameaças naturais ou sobrenaturais, reais ou imaginárias. Pois o maior risco que correm é o de abrir os olhos e enxergar.

A narrativa começa com Malorie se preparando para deixar a casa com as crianças em uma jornada em um barco a remo até um local “seguro”. Mas fazer essa viagem é seguro? É possível viajar por um rio às cegas? E, à medida que nos ambientamos nesse mundo em que não se pode ver — onde qualquer objeto misterioso, som estranho ou toque do que pode ser uma criatura fabricada por sua mais criativa e pavorosa imaginação te desafia a levantar a venda e simplesmente ver —, a empreitada de Malorie parece irrealizável. Impossível.

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A narrativa intercala passado e presente e há algo enervante nessa maneira de contar a história, porque sabemos, desde o começo, que os personagens do passado de Malorie não estão mais presentes, sem que nos seja revelado, no entanto, o exato destino de cada um deles. Isso motiva uma leitura sem intervalos, a fim de preencher as lacunas da história, ao mesmo tempo em que dá a sensação de estarmos em um trem prestes a descarrilhar.

Caixa de pássaros tem elementos que lembram A Estrada, de Cormac McCarthy, Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, e o filme Fim dos Tempos, de M. Night Shyamalan, mas também é um livro sobre uma mãe solteira dando o seu melhor em circunstâncias completamente absurdas.

Malorie sabe que um dia precisarão deixar a casa e enfrentar a jornada sem nunca olhar para o caminho. Sabe que precisa preparar as crianças para isso, assim como para viver nessa nova realidade, e por isso as treina para acordar sem abrir os olhos, para identificar cada movimento seu pela casa, cada som. Faz isso até que as crianças se tornem capazes de ouvir mesmo os ruídos mais sutis, como um suspiro em outro cômodo, ou o estalo de um tornozelo no andar superior. Até identificarem o som de uma folha caindo no poço. Precisa que elas consigam “ouvir o caminho”, pois ela mesma não consegue. Os riscos são imensos, mas é “melhor enfrentar a loucura com um plano” do que simplesmente se deixar vencer por ela.

Romance de estreia de Josh Malerman, Caixa de pássaros se tornou um sucesso de público e crítica. Com uma edição belíssima, que contribui para o clima de desolação e desespero da obra, sem dúvida é uma leitura para a lista de todos os fãs de horror. Malerman é o líder e o vocalista da banda de rock The High Strung e começou a escrever durante a adolescência influenciado por filmes e séries como O Bebê de Rosemary e The Twilight Zone. Ele gosta de escrever ouvindo trilhas sonoras de filmes de terror.

link-externoLeia um trecho de Caixa de pássaros

Alexandre Sayd é jornalista e leitor voraz de fantasia e horror.

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