O Nobel de Literatura Patrick Modiano, cuja obra venho lendo nestes últimos tempos, afirmou: “O que amo na escrita é, sobretudo, o devaneio que a precede. A escrita em si mesma, não, pois não chega a ser agradável. É preciso materializar o sonho na página e, portanto, sair do mundo dos sonhos.”
Uma bela frase que, de certa forma, combina muito comigo. Escrevo para fugir da realidade — de real já me basta esta minha vida. Escrevo para transformar a realidade, dobrá-la aos meus desejos e deturpá-la segundo os meus sonhos mais profundos. Escrevo para entender essa realidade que me cerca, toda a história que me precedeu e todas as gentes cuja herança, sem saber, carrego.
Porém, do que mais gosto, aquilo que me impele ao longo dos anos a escrever e escrever é, como disse Modiano, o exercício constante do sonho. O devaneio que precede a literatura é o meu mais íntimo vício — nas suas asas escapo dos meus problemas e neste voo é que me fortaleço. A graça, o medo, a ansiedade e o escárnio do sonho me reabastecem quase diariamente quando penso na página em branco e nas voltas que o meu personagem dará, nas subidas e descidas do enredo do romance que em mim está nascendo, semente invisível das páginas que amanhã me prenderão.
Para além do sonho, no entanto, a estrada da escrita é dura e exige uma grande dedicação. Tem razão Modiano: alguma fanfarrice, uma certa leveza deve ser criteriosamente deixada de lado na hora de materializar o sonho na página. O exercício braçal da escrita consome e aprisiona, e às vezes nos pesa e nos exige. Algumas noites de insônia, umas poucas lágrimas ao descobrir que a ideia — tão bonita no plano dos sonhos — não resistiu ao escrutínio da palavra escrita, isso acontece com frequência. É preciso sublimar tudo: as dificuldades, os parcos direitos autorais, o cansaço, a necessidade de assumir outros trabalhos para equilibrar a renda — quem me dera viver de ficção! — e seguir em frente.
Por outro lado, um lauto consolo: a página escrita com suor e esforço e horas insones é a estrada do sonho por onde seguirão os leitores — um ciclo que nunca se exaure e nunca termina, para a alegria daqueles que amam as histórias e os personagens.
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