O CHAVEIRO

Por Clarice Freire

29 / julho / 2014

Coluna 5 - O chaveiro

– Como, menina?

– Já disse. O senhor entendeu. Eu pago bem.

– Mas eu não entendi.

– Como não entendeu? É o melhor chaveiro da cidade. Já disse que posso pagar. Eu quero uma chave com cópia extra para o meu coração, por favor.

O homem viu que tinha entendido certo e parou.  Resolveu entrar na loucura de menina e divertir-se. Essas coisas que quebram a monotonia do centrão da cidade. Aquele calorão fazia dessas coisas. E ele que pensava já ter visto de tudo nessa vida… Enxugou os dedos sujos pensando no cigarro que o esperava no bolso.

– E como eu chego lá? Preciso fazer o molde da chave.

– Olhe pra mim.

O senhor olhou um tanto cauteloso nos olhos da menina que o encarava seriamente.

– Está vendo? Meu problema é grave. Me desculpe, o senhor vai ter muito trabalho.

– Hum. Estou vendo. É. Ele realmente é enorme, precisaria de uma chave compatível. Quão trancado ele está?

– Totalmente.

– E a outra chave, onde está?

– Perdi.

– Não se preocupe.

– Como assim?

O senhor pegou um papel rabiscou algo que a menina não conseguia ver.

– Tome.

– Arranje um desses na rua ou no céu. Um coração só se abre com outro.

 

Clarice Freire nasceu no Recife, em 1988, e desde muito cedo aprendeu a usar as palavras para acalmar suas inquietações. Cresceu admirando os desenhos em lápis de cor da mãe, Lúcia, e os versos do pai, Wilson. Uma noite, ouviu falar que a lua era bela porque, mesmo sendo só areia, deixava refletir a luz de outro, e por isso as noites não são escuras. Daí veio a inspiração para o nome de sua página no Facebook, Pó de Lua, criada em 2011.
Clarice escreve, quinzenalmente, às quintas.

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