A vida íntima das histórias

Por Leticia Wierzchowski

17 / julho / 2014

coluna 18_A vida íntima das histórias

Quando eu era pequena, a minha mãe lia para mim todas as noites. Eu gostava muito das histórias, então segurava o sono até não poder mais, e a mãe ali, lendo e lendo e lendo, louca ─ certamente − para tratar dos seus afazeres de mãe, de mulher, tomar um banho, vestir o pijama, ver a novela, ler o seu próprio livro. Com o tempo, fui desenvolvendo a artimanha de enganar o sono com as histórias, até que, em contrapartida, minha mãe revidou da seguinte maneira: ela lia meia hora para mim, depois dizia: “Me espera um pouquinho, só vou ali fazer xixi e já volto.” E saía. Saía e não voltava mais. Então, entediada de mim mesma, eu dormia rapidinho.  Isso foi assim por um bom tempo, até o dia em que aprendi a ler. Que libertação! A minha mãe podia passar a noite inteira nos seus afazeres, eu mesma lia para mim. Eu entrava na pele da Alice, da Sofia (era um livro que eu adorava esse, mas já não lembro mais o título), eu me metia lá no Sítio do Pica-pau Amarelo, e sumia com o Pedrinho, a Narizinho, a Dona Benta e a Emília.

O problema de dormir, no entanto, continuava o mesmo. Eu ficava lendo até a mãe perder a paciência. Eu sempre gostei de fugir para a ficção. Comecei lendo, e depois passei a escrever as minhas próprias histórias. Quando eu começo a escrever, quando mergulho numa história, com facilidade vou me despindo das arestas de mim mesmo, vou ficando leve, incorpórea, feita de palavras… Eu volto a ter sete anos, mas, em vez de brincar de bonecas, jogo com os meus personagens, deixo eles me guiarem, danço de rosto colado com eles. Escrever é uma alegria e uma danação, é como um desses cãezinhos malucos que correm atrás do próprio rabo ─ quando um livro vai pelo meio, penso nele noite e dia, penso quando não escrevo, penso que deveria estar escrevendo, evidentemente, penso nele enquanto escrevo, e, quando termino de escrever, sinto falta da história. Quando eu estou para terminar um livro, faço como a minha mãe fazia comigo, vou ali fazer xixi e já volto, eu digo para os personagens. E não volto mais. O ponto final já está lá, e os personagens acabam por mergulhar no seu sono. E dormem e dormem e dormem, até que o primeiro leitor finalmente os desperte.

LETICIA WIERZCHOWSKI é autora de Sal, primeiro romance nacional publicado pela Intrínseca, e assina uma coluna aqui no Blog.

Nascida em Porto Alegre, Leticia estreou na literatura aos 26 anos e publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. Um de seus romances mais conhecidos é A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.

 

Leticia Wierzchowski nasceu em Porto Alegre e estreou na literatura aos 26 anos. Já publicou 11 romances e novelas e uma antologia de crônicas, além de cinco livros infantis e infantojuvenis. É autora de SalNavegue a lágrima e de A casa das sete mulheres, história que inspirou a série homônima produzida pela Rede Globo e exibida em 30 países.
Leticia escreve às sextas.

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Comentários

4 Respostas para “A vida íntima das histórias

  1. Ai Leticia, que coisa maravilhosa esse teu texto :3
    Ainda não conhecia teu livro, mas pela sensibilidade e habilidade que tu tens com as palavras, certamente vai entrar para a minha lista de desejados.
    Escrever tem o poder de simplesmente te fazer livre, te fazer ver que é possível voar e viajar através das palavras, de se desprender de si mesma enquanto está escrevendo. Escrever é sermos livres de nós mesmos <3
    Muito sucesso pra ti 😀

    Beijoux ;*
    @pirulitolimao

  2. Amei Leticia! Exatamente como me sinto. Também amo escrever mas ainda não criei coragem pra trabalhar mais esse hobby :/ . Parabéns pelo texto 😉

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