[Sobre o medo de não ter mais inspiração]

Por Pedro Gabriel

26 / novembro / 2013

A página em branco_coluna 7

A página está em branco, mas já dá para ler desespero em letras garrafais. Acredito que todo mundo já tenha sentido aquele pânico de não ter mais inspiração. Seja antes de começar a escrever um romance. Seja num simples cartão de natal para a família. Seja para escrever um poema para aquele amor de infância. A primeira frase sempre parece estranha. O primeiro verso sempre soa bobo. O primeiro traço nunca fica exatamente como imaginávamos. O medo de não saber o que vai nascer naquele espaço vazio é a angústia de tanta gente desde que o mundo é mundo, desde que arte é arte.

Aprendi em uma das aulas da faculdade que a Ideia é como gato, não como cachorro. Ela vem quando ela quer, não quando você chama. Pois é, não adianta pressionar a mente. Você não encontra uma ideia pronta na sua agenda telefônica, na sua gaveta bagunçada ou dentro de um baú envelhecido na casa da sua avó. Não dá para convidá-la para o boteco com dia e hora marcada. Ela também não tem endereço fixo para você ir buscá-la desesperadamente em um domingo à noite. Mesmo com chuva! Ah, e nem pense em chamá-la para tomar um chope numa quarta-feira para assistir ao jogo do seu time. A ideia, às vezes, torce pelo adversário! Ela é independente. Ela aparece quando bem entender. E, se ela entender que não deve aparecer, esqueça-a: ela não aparecerá.

Mas então o que fazer diante dessa angústia?

Bom… Desde o meu primeiro guardanapo, eu sempre penso que não terá o próximo. Que aquele será o último. E nunca é! Quando fico sem ideia, eu escrevo e desenho e assisto a um documentário qualquer sobre a comunicação dos golfinhos. E, se a ideia ainda não aparece, eu escrevo e desenho e ouço a discografia do Chuck Berry. E, se mesmo assim ela não vem, eu escrevo e desenho e falo com meu pai, que mora longe. E, se depois de tudo isso ela ainda prefere ficar escondida, eu escrevo e desenho e leio cartas antigas (ah, como era bom aquele tempo em que recebíamos cartas!). Seja insistente. Crie condições para facilitar o caminho da ideia. Deixe seu cérebro sempre treinado, pronto para o raciocínio rápido – aquele que vai permitir que você abra com agilidade as gavetas invisíveis que guardam todo o seu mundo de referências e associações.

Uma hora a ideia chega, é inevitável. Esteja pronto porque, quando ela aparece, ela não quer saber seu nome, seu endereço, seu estado civil, ela não está nem aí se você está almoçando, dormindo ou sentado numa praça sem caderno para eternizá-la. Ela simplesmente invade o seu corpo sem pedir licença e se faz sua.

A vida é uma imensa página em branco.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

10 Respostas para “[Sobre o medo de não ter mais inspiração]

  1. Pedro,
    Parabéns pela coesão no texto e pela inspiração em não correr em busca da criatividade. Sou Bibliotecário da Universidade Federal Rural de Pernambuco, trabalho no Setor de Formação e Desenvolvimento do Acervo. Irei sugerir o seu livro para compor o nosso acervo.

  2. Simplesmente genial. Não vejo a hora de comprar o teu livro. 🙂

  3. pois é…eu, por exemplo, estou há dias esperando que uma coisa linda e maravilhosa me venha à mente para eu enviar para alguém que tem se tornado mais especial diariamente……na minha mente…

  4. E é incrível Pedro Gabriel o tamanho do desespero quando a idéia vem e não se tem em mãos lápis ou caneta para retê-la na escrita. é uma sensação de aguardar uma pessoa com muito desejo e não estar em casa quando ela chega.

  5. Muito bom.
    Antônio, tenho certeza que nunca te faltará inspiração.
    Permita-me dar mais algumas sugestões além dessas que você citou:
    -> Relembre os bons momentos passados com a pessoa amada e solte imaginação, e ela estará ao teu lado, sussurando ao seu ouvido com palavras doces e juntos rindo;
    -> Reviva a dor da conquista e a dor da perda, ambas machucaram e marcaram as páginas de sua vida;
    -> sonhe com seu atual ou novo amor, o que farão hoje, amanhã, daqui 10 anos;
    -> imagine seu futuro, seus futuros, sua vida.
    -> e SEMPRE, confie em VOCÊ.
    Você é tudo o que você foi, é e será.
    Parabéns por mais este texto. Um beijo.

  6. “Crie condições para facilitar o caminho da ideia. Deixe seu cérebro sempre treinado, pronto para o raciocínio rápido – aquele que vai permitir que você abra com agilidade as gavetas invisíveis que guardam todo o seu mundo de referências e associações”.
    A minha inspiração foi embora e até hoje não voltou…
    Vou seguir sua dica. Quem sabe não sou surpreendida?

  7. Antonio Pedro Gabriel sua palavras vêm em boa hora trazidas numa onda ao mar facebook… também me chamo antonio, e não por coincidência, vesti cada oração como se calçaldo os sapatos que estavam em cima do guardaoupas esquecidos, me lembrei que na gaveta do armário ainda guardo rascunhos dos tempos da faculdade, que na camisa azul falta apenas um botão… vesti não, apenas me lembrei – espero sair pra ruas hoje e ver acontecer a vida sem lógica, acidental e inesperada como receber de uma amiga um texto seu. obrigado!

  8. Ah Antonio.. Que saudade de ler sua prosa poética.. Fazia algumas semanas que não conseguia te ler e nem é por falta de tempo.. Eu pensava: Vou deixar pra lê-lo amanhã! E assim se passaram semanas.. Sou assim com minhas leituras.. Tem dias que simplesmente não consigo ler.. As vezes acho que é preguiça, mas as vezes também acho que é falta de inspiração.. Sim.. Porque mesmo quando leio é sempre uma conversa comigo mesma.. É sempre processo de reflexão e de sentir as palavras.. E ando num periodo meio louco da minha vida… Enfim.. É provavel que hoje leia todos os textos das ultimas semanas.. Hj estou inspirada a te LER!! Seria repetitivo dizer que tudo que vc escreveu é verdade.. Assim essencialmente subjetiva e expontânea é a poesia de guardanapo.. E digo só mais uma coisinha.. Não fosse o medo de saber mais o que dizer, talvez não dissessemos com tanta verdade e coração, toda essa canção abrupta, que vem da nossa Alma!!!! Abraços “cantados”!!! 😉

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